quinta-feira, março 23, 2006

II

PERDI O AVIÃO !!!!!

Confesso-vos com uma cumplicidade tímida e desabafo entorpecido que perdi .....o avião.
Entre milhares de coisas absurdas e inóspitas que durante 29 anos andei perdendo, hoje perdi um avião. Ontem, perdi o cinema no arábida, o swing ao domingo, o famalicão a jogar, as conversas com os meus pais, a viagem até á figueira...

Toda a nossa vida é feita de percas e ganhos, e no fundo o balanço final deverá ser positivo para acharmos que terá feito sentido esta batalha. ERRADO, ERRADO...blá blá blá....
Será que andam a verder felicidade, amor e amizade na mercearia do Sr. Manuel lá na esquina e não me disseram nada. "Ó sr. Manuel, ontem levei 3 kilos de desgosto amoroso que me fez mal, veja lá se me arranja hoje 4 de paixão avassaladora!" E se a paixão está estragada, e se o desgosto até nos fez bem ?

Vivam.... vivam a dor, vivam a paixão, vivam os telefonemas proibidos, as esperas infinitas, os calculismos premeditados, as apostas falhadas, os desafios superados. Vivam, vivam tudo! Não deixem que ninguêm os vá viver por vocês!
Como se pode dar valor á água se não passares pelo deserto, á vida se não perderes ninguêm próximo, ao amor se não sentires que o teu coração vai explodir de tanta dor como uma castanha debaixo do fogo altivo de uma paixão...perdida!

Esta vida assemelha-se a uma assustadora prova de ciclismo nos pirinéus, assim que ganhamos um prémio de montanha, aparece uma descida vertiginosa e ficamos sem travões! PUM.....A vantagem está naqueles que pegam na bicicleta ás costas e começam a subir a próxima prova, nunca sabendo se o carro de apoio chega!

Claro que nesta vida saudosista e aventureira sinto falta dos vários retalhos com que foi construindo a minha boneca de trapos. Sinto falta dos jantares prolongados no Arquinho do Castelo onde descobri o prazer do bacalhao com natas e planalto fresquíssimo, das companhias interessantes e até mesmo dúvidosas nas noites do Via Rápida, do café no Ourigo segredando ideias preversas, o cheiro do mar da figueira escondido atrás de um nevoeiro misterioso envolvendo enamorados e desgostosos, dos banhos e caracóis com finos em Buarcos no final do dia, das loucuras que por vezes primava partilhar em locais o mais inóspitos possíveis, da companhia do champagne em aventuras fugídias, do prazer da lareira e do vinho tinto em noites de erotismo renegado, das conversas embriagadas no zé que com fulgor questionava a própria existência e partilhava goles prolongados de sabedoria popular.

Será mais fácil por vezes partilhar convosco os fins de semana cobertos por um manto branco e coragem desmesurada em cima de uma simples tábua, ou vagabundeando por entre monumentos e memórias de uma guerra absurda em Berlim. Os bares e similares locais de ócio novos que descubro a uma passagem de "Quartz", a graciosidade de descobrir todos os dias algo que inicialmente desconhecia-mos existir em nós. Mas todos sabemos que as raizes do fado estão sempre presentes no nostálgico velho do restelo existente dentro de cada um de nós.

Hoje queria dar um grande abraço á VIDA. A quem por ela luta, ama, sofre e acredita. Bem-vindos os que chegam e abençoados os que partem! Junto deles estará sempre o nosso coração.


" Ah, um minuto inteiro de felicidade! Mas não basta isso para encher a vida de um homem?"
Fédor Dostoievsky, Noites brancas

Paulo Rua

Colónia 26-03-2001

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